No Pará, principalmente em cidades do interior, as lendas têm uma grande
influência sobre o povo, que acredita na veracidade de suas histórias.
Basta um instante conversando com algum morador mais antigo para ser
envolvido em uma aura mística.
Fantasia misturada a realidade, com aspectos místicos e um pé no
sobrenatural, as lendas nascem, crescem e se reproduzem mas, de fato,
nunca morrem. Sobrevivem na memória das pessoas e povoam nossa
imaginação com fatos irreais, sem comprovações científicas ou verdades
absolutas. Como “quem conta um conto, aumenta um ponto”, são repassadas
de gerações a gerações e se mantêm vivas no imaginário de um povo.
O conteúdo das lendas é fortemente simbólico e
geralmente tem detalhes que podem ter realmente acontecido ou não, e que
ao serem contados e recontados começam a ter um outro nível de
realidade e imaginação. Na antiguidade, não conseguindo explicar os
fenômenos da natureza de forma científica, os povos criavam mitos para
dar um sentido maior aos acontecimentos inexplicáveis. Tal qual os mitos
de
Édipo e
Electra
que, extraídos de lendas gregas, acabam sendo explicados à luz da
psicologia moderna. No Brasil, a miscigenação contribuiu fortemente
para a origem de um grande número de lendas que, vindas de outros povos,
acabaram fazendo parte da nossa própria história.
As lendas, em especial as amazônicas, são muito famosas e vagam pelos
quatro cantos do país. As mais difundidas, de origens índigenas,
costumam buscar explicações para os elementos da natureza; as européias,
principalmente as portuguesas, tratam mais de assombrações e fantasmas;
por fim, as africanas são ligadas a entidades, exus e etc.. Em maior ou
menor grau, estão presentes em nosso cotidiano e acabam influenciando a
formação cultural de cada brasileiro.
Aqui vamos dar a conhecer algumas das lendas que assombram até os mais céticos dos habitantes do Pará:
Boiúna (Cobra Grande)
A Boiúna, de boi (cobra) e una (negra), é uma cobra de tamanho
imensurável. Tem olhos que “alumiam” feito tochas e ao passar pelos rios
e igarapés derruba embarcações e devora crianças ou adultos que se
banham nas margens. O povo paraense acredita que a Boiúna vive
adormecida na cidade de Belém, entre a Cidade Velha e o bairro de
Nazaré. E, quando ela acordar, irá afundar toda a cidade com seu
movimento. Ao rastejar, a Boiúna vai deixando sulcos onde se formam
novos igarapés. Vamos torcer para que ela nunca acorde - caso contrário,
adeus bela Belém.
Boto
Segundo os ribeirinhos, um belo homem vestido de branco e com chapéu
cobrindo a cabeça costuma aparecer nas festividades de São João para
escolher a moça mais linda. Sedutor e charmoso, ele a convida para
dançar e com seus encantos leva a escolhida para o fundo do rio. Sempre
que avistam um homem de chapéu nas festas, os moradores costumam
expulsá-lo, pois temem que ele possa ser o temido boto. Dizem que ele
costuma usar o chapéu para esconder o rosto, já que sua tranformação em
humano não é completa. E também para camuflar as narinas, que ficam no
topo de sua cabeça. E aí, toparia uma dancinha com ele?
Capelobo
Presente em lendas da região Norte, principalmente no Pará, e
também no Nordeste, lá pelas bandas do Maranhão, o capelobo é um bicho
medonho. A lenda não explica bem como surgiu ou nasceu o Capelobo.
Sabe-se apenas que é uma mistura de anta com tamanduá e homem e, ainda
por cima, tem pés em formato de fundo de garrafa. O Capelobo é uma besta
que, de acordo com os casos contados, suga a massa encefálica de suas
vítimas. Digamos que ele é um parente não muito distante do Lobisomem, e
suas vítimas preferenciais são animais recém-nascidos, entre eles gatos
e cachorros. Ele também não descarta um delicioso cérebro humano. Eu
que não gostaria de cruzar com um desses.
Matinta Perêra
Também conhecida como Matinta Perê, reza a lenda que ela é uma
pessoa que carrega a maldição de se transformar em uma velha com unhas
incrivelmente compridas, vestida de preto, que solta um assobio
estridente e assustador. Costuma andar pela noite assobiando e quem a
escuta deve prometer tabaco a ela, que no dia seguinte irá a casa da
pessoa buscar o prometido. Dizem que ela também se apresenta como um
pássaro negro, conhecido como “rasga-mortalha”, e quando está para
morrer diz “Quem quer? Quem quer?”. A pessoa que responder a ela,
achando que irá ganhar algum presente ou algo precioso, acaba ganhando a
herança de se transformar em Matinta Perêra. Se escutar essa frase por
aí, não vá responder, hein!
Outras lendas que vale a pena conhecer: Iara ou Mãe D’Água, Curupira, Mula-sem-cabeça e Vitória-Régia.
Veja:
Ele, o Boto (1987 ) de Walter Lima Jr., com Carlos Alberto Ricelli, Cássia Kiss Magro e Dira Paes.
Lendas Amazônicas (1998) de Moisés Magalhães e Ronaldo Passarinho.
Matinta (2009) de diretor Fernando Segtowick, com atores paraenses, entre eles, Dira Paes.
Ouça:
“
Curupira”, “
Foi bôto, Sinhá” e “
Matinta Perêra” – do maestro paraense Waldemar Henrique.
“
Amazônia” do cantor paraense Nilson Chaves.
“Águas de Março”, que cita Matinta Perêra – Tom Jobim.
Leia:
“
Visagens e Assombrações de Belém” do escritor paraense Walcyr Monteiro que traz um apanhado de lendas, entre elas lendas urbanas como “A moça do táxi”.
Fonte:
Jornal Diário do Pará
Ilustrações: Boiúna, Boto, Capelobo e Matinta Perêra foram ilustradas pelo artista Fabio Ferezin do
XGuilera